Elizabeth Harkot-de-La-Taille*
La construcción discursiva de las identidades no puede prescindir de la inteligibilidad y la sensibilidad como sus coparticipantes. Los efectos de significado relacionados con la identidad dejan vislumbrar en las manifestaciones pasionales en torno a la circulación de las imágenes de sí del sujeto, el grupo sociocultural al que se afilia. Esto se muestra en el análisis patémico-identitario de dos de las novelas de Ondaatje, tomadas como un laboratorio humano, cuyos resultados nos sirven de parámetros para el análisis de las manifestaciones pasionales en una investigación empírica desde la perspectiva teórica de la Semiótica discursiva, específicamente, desde el desarrollo de la llamada Semiótica de las Pasiones. Este estudio pretende poner a prueba la hipótesis de que el análisis de las relaciones intersubjetivas, en las obras literarias, puede contribuir efectivamente a la comprensión de las representaciones identitarias de estratos sociales concretos.
The discursive construction of identities relies on both intelligibility and sensibility as co-participants. The identity-related meaning effects allow for the consideration of the subject’s group’s value-system, by means of the manifestation of passions related to the commerce of the subject’s self images. This becomes clear in the pathemic-identitary analysis of two of Ondaatje’s novels, taken as a human laboratory, whose results are regarded as parameters for the pathemic analysis of an empiric research. The theoretical grounds are given by Discourse Semiotics, especially its development known as the Semiotics of Passion. This study aims at testing the hypothesis that the analysis of intersubjective relations in literary works may effectively contribute to the understanding of identitary representations of concrete given social strata.
Introdução
O grande número de pesquisas e debates contemporâneos sobre discurso, sociedade e identidade atesta a interdependência que a noção de identidade mantém com os dois primeiros. Este estudo propõe uma discussão dos efeitos de sentido de identidade, por meio da análise de manifestações passionais em torno da imagem de si dos sujeitos, em dois textos literários e em uma pesquisa empírica, pela perspectiva da Semiótica Discursiva, em especial, seu desenvolvimento chamado Semiótica das Paixões.
Sendo a semiótica francesa uma teoria do texto, a presente discussão se pauta, para suas conclusões, na paulatina construção do parecer/não-parecer dos sujeitos, numa espécie de “jogo da verdade” (Greimas e Courtés, 1979:488), no qual o que conta é o efeito de verdade, a veridicção resultante da análise das estruturas discursivas, “lugar, por excelência, do desvelamento da enunciação e da manifestação dos valores sobre os quais está assentado o texto” (De Barros, 2001:72).
Para tanto, o seguinte percurso é adotado: a) problematização da dicoto-mização da ideia de identidade; b) análise discursiva das paixões associadas à regulação social da circulação da imagem de si dos sujeitos, em dois romances de Ondaatje (1996 e 2000), e reflexão sobre os tipos de vínculo social construídos entre personagens e a relação de tais vínculos com as paixões analisadas; e c) a transposição dessas reflexões para o âmbito das representações identitárias do jovem paulistano, a partir da colocação ou retirada de confiança nos diferentes “outros”, num resgate de parte da pesquisa “Valores dos Jovens de São Paulo” (De La Taille e Harkot-de-La-Taille, 2005).
Esse estudo almeja testar a hipótese de que a análise das relações intersubjetivas, em obras literárias, pode contribuir efetivamente para a compreensão das representações identitárias de um estrato social concreto.
Sobre identidade
Benveniste (1966) já apontava a simplificação excessiva das antinomias eu-outro, ou sujeito-sociedade, alertando ser necessário conceber os termos em relação mútua e em uma realidade dialética. Hoje, os estudos sobre identidade no discurso não podem prescindir da atualidade de tal advertência. O efeito de sentido de “eu” e “outro”, ou o simulacro existencial dos sujeitos, resulta de projeções de si circulantes e negociadas no discurso e no interdiscurso. Esse “outro” ora ocupa a posição de um “tu”, ora a posição de um “ele”, gerando, na conseqüente assunção da relação eu-outro, sentidos distintos, passíveis de proporcionar vislumbrar-se o sistema de valores subjacentes a tais projeções, em seu microuniverso de origem.
Assim, dependendo de o “outro” revestir-se em segunda ou terceira pessoa, delineiam-se universos de “nós” ou de “eles”, que sofrem diferentes regulações sociais, determinadas pelas normas da vergonha e da honra, os primeiros, ou do medo, os últimos (Lótman, 1970:237-240). A tendência a associar ao medo as normas jurídicas e à vergonha ou à honra as normas morais ou dos “bons costumes”, explica Lótman, embora corrente, reduz o escopo da questão. A essa advertência, acrescentamos que tais associações escamoteiam tanto o tipo de relação assumida pelos sujeitos, relação essa que subjaz às formas de regulação de suas ações, quanto às representações identitárias, ou imagens de si, dos sujeitos em relação. Vejamos um exemplo, muito provavelmente conhecido do leitor: a cabeçada de Zidane, no jogo final da Copa do Mundo de 2006. Um jogador exemplar, na coroação de sua brilhante carreira esportiva, surge, nas telas das tevês do mundo, agredindo um adversário no peito com uma violenta cabeçada. O que seria um dia de festa, finda em comoção: Zidane é expulso e deixa o campo, sob incrédulas críticas exasperadas de comentaristas de todo o planeta. Mais tarde, sabe-se, por ambos os envolvidos, que aquele que seria o herói do dia reagira a um insulto. Seguiu-se muita discussão sobre a força do ato, sobre o tipo de insulto que teria arrancado tal reação violenta, sobre o “perder a cabeça” do grande futebolista etc. O próprio Zidane acabou encerrando a conversa, assumindo publicamente que julgava sua expulsão correta, pedia desculpas pelo mau exemplo, mas afirmava não se arrepender, pois não poderia ter impedido o “homem” de agir sobre o “jogador”. Dito de outro modo, aos olhos do brilhante esportista, colocava-se a opção, apenas teórica, de entender a provocação como artimanha de jogo e usar de astúcia (manter-se, portanto, dentro do universo do jogador), ou de deixar em segundo plano o esporte e defender sua honra, (privilegiar o homem, na sociedade à qual pertence). Dois mundos, nesse momento, antagônicos. Preferiu a vergonha esportiva à vergonha humana; antes expulso do jogo que incapaz de sustentar o olhar alheio, se abdicasse de defender sua honra. Embora seja possível pensar-se em termos de normas jurídicas (regras do jogo) ou morais (ofensa), tal colocação seria insuficiente para contemplar a projeção da imagem de si inerente ao papel assumido pelo sujeito, nos dois casos possíveis.
A vergonha e a honra, às quais acrescemos o orgulho, desvelam valores de universos de “nós”, enquanto o medo remete a ameaças ao sujeito. Segundo Lótman (1970), quando um, medo ou vergonha, ocorre, em um universo, não há lugar para o outro. Se a observação mostra que medo e vergonha podem se combinar, ou mesmo oscilar, isso se deve à complexidade dos universos de “nós” e, em menor escala, de “eles”, reconstruídos e renegociados a cada instante, sempre em algum grau de tensão.
Sobre identidades e vínculos intersubjetivos: recorte literário
Para investigar o tema em profundidade, dois romances de Michael Ondaatje, The English Patient e Anil’s Ghost, constituem o corpus da atual pesquisa sobre a manifestação das paixões em torno da circulação da imagem de si das personagens.1 Encetemos, agora, a análise do primeiro texto literário.
The English Patient (O paciente inglês)
Cinco personagens entrelaçam-se na trama de O paciente inglês,2 romance-base do filme homônimo, grande sucesso de público. A presente análise se atém ao livro, exclusivamente; sua versão fílmica não é abordada. Pouco mais de cem trechos, de dimensão variável, abordando interações das personagens, em torno da circulação de imagens de si, foram selecionados.3 O cenário baseia-se no final da segunda grande guerra, em uma casa abandonada, Villa San Girolano, ex-hospital militar improvisado, no interior da Itália. Almásy (o paciente inglês), Hana (enfermeira), Kip (desarmador de bombas), Caravaggio (ladrão-espião) e Katharine (ex-amante de Almásy, por meio da memória deste), compõem uma história de considerável apelo emocional, centrada na figura de Almásy, incógnito, homem de um passado incomum e moralmente questionável, nos parâmetros da guerra. É ele o chamado “paciente inglês”, quase totalmente queimado, prostrado, inválido em uma cama. A partir das histórias que o enfermo conta sobre si e Katharine, a trama vai-se fiando, gradativamente, abrindo-se para acolher e construir Hana, Kip e Caravaggio.
O foco nas paixões ligadas às imagens pessoais permite discutir-se a construção das personagens Almásy e Katharine, Hana e Kip, em pares, e Caravaggio, individualmente, associando a cada um dos três grupos a paixão mais freqüentemente manifestada, respectivamente, orgulho, honra ou vergonha. Evidentemente, essas personagens são sujeitos patêmicos de outras paixões além das aqui examinadas, porém, há uma clara predominância daquela destacada, dentro de cada grupo.
Almásy constrói-se em relação a Katharine, falecida quando dos relatos, principalmente pelo viés do caso amoroso que mantiveram, profundamente conflituoso. Apresenta-se dotado de um alto conceito sobre si, fundamentado no conhecimento que detém e a que credita seu salvamento da queda de um avião em chamas, por um grupo de beduínos: “Eu era útil, veja. Sou o tipo de homem que reconhece uma cidade não identificada por sua forma num mapa. Sempre tive um mar de informações em mim” (18).4 Seguro, conhecedor, no controle das informações e do próprio agir, nada parece desestabilizá-lo.
Katharine, porém, surge sutil, mas irremediavelmente, e o arranca de sua posição central, de controle. Como por um canto de sereia, Almásy se apaixona pela voz da moça, esta descrita como portando “um rosto inconquistável” (144).5
Beirando à contradição, aproximam-se uma mulher inalcançável e um homem, segundo seu próprio autoconceito, inabalável, inatingível. De seus lugares recônditos e seguros, cada um dirige o olhar ao outro, de esguelha, mas não por isso desejando menos a conjunção do que apenas a aproximação. E, então, “[e] le se desman[cha] por ela” (155).6
Inicia-se uma relação amorosa prenhe de conflitos e disputas, decorrentes da imperiosa necessidade que ambos atestam de se proteger do outro e dominá-lo, reduzi-lo a sua coisa, seu objeto, sempre garantindo a própria independência. Um cartão postal enviado por Katharine explicita o tom da relação:
Metade dos meus dias não suporto não tocá-lo.
O resto do tempo, sinto como se não importasse
se vou vê-lo novamente. Não é nada moral,
é o quanto se pode agüentar (154).7
Entre disputas pela dominação do outro e pela própria independência, a presumida necessidade de autodefesa alimenta uma crescente incomunicabilidade. A necessidade de autoproteção da mulher metaforiza-se em paredes, em muralhas, e contribui para um acréscimo de tensão na relação. “Agora, ele não aceita essa muralha ao redor dela. ‘Você também levanta as suas’, ela retorque, ‘então, tenho a minha’” (155-156).8
Conseqüentemente, na competição por independência e dominação, itensificam-se tanto o distanciamento quanto o investimento afetivo. As condutas de defesa/ataque da parte de um alavancam resposta complementar do outro e incrementam seu interesse em vergar o parceiro-oponente. O amor próprio exacerbado de cada um solapa as bases para uma relação consensual, baseada na confiança, pois a satisfação do próprio orgulho implica “vencer” o outro, colocar abaixo suas muralhas protetoras. Em uma relação polêmica, o sucesso de um implicaria o fracasso do outro. O outro curvado, objeto conquistado, deixaria de exercer poder de atração. Não há vencedores, nessa disputa, que persiste, mesmo após a relação amorosa rompida:
[...] Ele se virou para ela, com seu dedo em riste: Não sinto sua falta.
Sentirá.9
Eu o acho desumano –ela me disse.
Não sou o único traidor (238).10
Em guerra, os amantes-adversários convertem-se em inimigos. Até mesmo durante a única trégua a se insinuar, Katharine à morte, eclode o desejo de dominação total e de aniquilamento do outro:
[...] você acabou comigo. Beije-me. Pare de se defender. Beije-me e diga meu nome [Katharine para Almásy] Seus corpos se encontraram, mesclando perfumes, suores, alucinados para penetrar aquela película sutil com uma língua ou dente, como se cada um pudesse agarrar o caráter do outro e, durante o amor, arrancá-lo de seu corpo (173, ênfase adicionada).11
O segundo par forma-se por Hana, enfermeira, e Kip, desarmador de bombas. Hana é uma jovem canadense, de vinte anos de idade. Desencantada do mundo, seu querer átono em relação à própria vida, escolhe isolar-se na Villa, dedicar-se aos cuidados, talvez, à veneração do homem calcinado, mesmo após ordens explícitas de partir e advertência de deserção. Hana, confiante em que sua decisão era imperativa, em que era inaceitável ir-se e abandonar um inválido preso à cama, permanece. Sua guerra privada não havia acabado, estava ali. De um sujeito programado (Landowski, 2006), de relação entre Sujeito e Objeto, Hana coloca as condições da interação estratégica, entre Sujeitos. Doravante, suas condutas têm motivações e razões, a certeza cede lugar à dúvida, ao incerto; Hana passa a um regime estratégico de tipo manipulatório, fundado no princípio de intencionalidade. A enfermeira fica porque quer ficar (não mais porque não quer ir) e se ocupa do paciente. Em troca, este lhe conta sua história, abrindo-lhe o horizonte sensível e inteligível das possibilidades da vida.
Kip é um soldado indiano, alistado nas forças armadas inglesas, cuja opção por se especializar no desarme de bombas se deveu à admiração nutrida pela civilização britânica e pelos valores ocidentais. Vê sua atividade como contribuição para redução do poder destrutivo da guerra. As bombas terrestres que desarma não são simples objetos, são anti-sujeitos astuciosos que cortam seu caminho e o desafiam, ao preço de sua própria vida. Kip ausculta cada mina terrestre com que trava sua batalha privada, atento a seus sons, a suas artimanhas, a sua consistência, às cores de seus fios. Em cada um desses elementos vida e morte se entrelaçam, exigindo do soldado um permanente ajustamento (idem, ibidem). Seu sucesso é vida; sua derrota, morte e mutilações. É o tipo de batalha que exige conduta de cirurgião: precisão, serenidade, confiança. E Kip confia em si e no anti-sujeito bomba, cujos segredos o desafiam à descoberta, sem jamais traí-lo, sem truques in media res. Cada gesto elimina sinais falsos e intensifica o perigo de erro; a cada respiração, seus cinco sentidos se aguçam, em uma tensão crescente que, em seu ápice, unem homem e artefato, o primeiro desvelando o segredo do segundo e abrindo espaço para o futuro, ao som do corte de um fio elétrico. Seguem exaustão e alívio a essa batalha de gestos mínimos e atenção/tensão máximas. O soldado indiano para, descansa. Depois, levanta-se e continua vagando, à procura da próxima batalha.
Kip não questiona sua atividade, sabe que é seu modo de contribuir para a diminuição da dor, principalmente a alheia, a dor aqueles que nem conhece e que poderiam, num passo, destroçar-se, sem sua ação. Segue satisfeito, confiante. Até que seu aparelho de rádio anuncia:
Uma bomba. E outra. Hiroshima, Nagasaki [...] Esse tremor de sabedoria ocidental (284).12
Imediatamente, instaura-se uma crise fiduciária. Lembranças e sentimentos o dominam e lhe retiram o chão, seu chão simbólico, sua base de confiança:
Meu irmão me falou. Nunca fique de costas para um europeu. Os negociantes [...] Nunca confie nos europeus, ele disse. Nunca lhes dê a mão. Mas nós, oh, nós nos impressionávamos facilmente –por discursos e medalhas e suas cerimônias. O que venho fazendo nos últimos anos? Desmontando, desarmando membros infernais. Para quê? Para isso acontecer? Que é isso? Deus, diga-nos! (284-5, grifo do autor).13
Um acontecimento aterrorizante emergindo das ondas curtas. Uma nova guerra. A morte de uma civilização (286).14
Kip se desepera. Revolta-se contra seu destinador, sem desacreditar do sistema de valores (Greimas e Fontanille, 1991). Vê-se traído pela civilização ocidental, sintetizada na civilização britânica, embora persista crendo na vida humana como valor máximo. Revolta-se diante da incoerência entre discurso e prática, entre o defender a vida humana e o explodir bombas atômicas. Apesar de sua revolta e desespero, não abandona seu papel temático de desarmador de bombas, por onde passa, arriscando-se à morte ou à mutilação. “A cada manhã ele sairia da cena colorida em direção aos blefes sombrios do caos. O nobre cavaleiro. O santo guerreiro [...] O inglês o havia chamado fato profungos - fugitivo do destino” (273).15
Como Hana, retira-se da companhia humana, ele, por revolta contra a hipocrisia ocidental e o ódio indiano. Fiéis às suas escolhas, Kip e Hana concentram-se na redução da dor e da degradação de outrem. O par mantém um breve relacionamento amoroso secundário no texto e tece amarras sutis, porém duradouras entre si, com repercussões, nas lembranças de cada um, até muitos anos depois. A estabilidade, a consistência em relação às próprias escolhas e à memória produzem o efeito de sentido de honra, passível de se definir “esencialmente por la fidelidad a sí mismo (constancia sibi, como decían los latinos), por la preocupación de ser digno de una cierta imagen ideal de si mismo” (Bourdieu, 1968:190).
Caravaggio, a última personagem, ligado a Hana, ainda no Canadá, é apresentado como um ex-ladrão-espião derrotado, flagrado em missão e punido com a amputação de seus polegares –marca dos ladrões fracassados. Chega à Villa San Girolano taciturno, sem dizer palavra e em necessidade de cuidados médicos: “[e]ra assim que se sentia mais seguro. Revelando nada [...] Era um animal de grande porte [...] quase em ruínas, ao ser levado à Villa e receber doses diárias de morfina para a dor nas mãos” (27).16
Gradativamente, algum tênue querer começa a modalizá-lo, até que o ladrão reassume o estatuto de sujeito semiótico,17 ao relacionar-se com o objeto “silêncio” e rompê-lo. Cobrado por Hana, que lhe sugere roubar comida, mostra o efeito desmoralizante da amputação, sua marca de excluído. Não perdeu apenas os polegares, mas a face e o direito a um lugar, na sociedade, porém, sobretudo, perdeu a confiança em si e a coragem, por ter sido “pego. Quase cortaram fora a porra das minhas mãos” (34).18
Caravaggio acata o valor da punição, assume o lugar de excluído da sociedade dos homens e se transforma, de “brilhante trapaceador dos ricos” (40),19 em um sujeito imerso em opacidade e escuridão, desejoso de “cauterizar seus ferimentos, deixá-las [as mãos] na fumaça de um caldeirão de piche, de maneira que a fumaça preta cobrisse suas mãos” (59).20 Tal “fumaça preta” a curar e encobrir suas mãos, por meio das isotopias da dor e da escuridão, metaforiza uma solução para o sentimento de vergonha que doravante o acompanha.
O acaso, contudo, conduz Caravaggio à Villa e ao “paciente inglês”. O ex-ladrão-espião suspeita que o enfermo seja certo homem, cujo paradeiro e identidade eram sua missão descobrir, quando foi flagrado e preso. Investe em um programa de busca da identificação do doente.
Após observações, lembranças e conversas com o paciente queimado, Caravaggio realiza seu intento: vê que, como suspeitava, o homem acamado não era inglês, mas húngaro, um espião duplo, Conde L. de Almásy, que procurara sem êxito.
Tendo cumprido seu objetivo, figurativizado pelo estabelecimento da identidade de Almásy, um novo percurso se inicia. O objeto da busca que o obcecara torna-se objeto modal para outro programa: o de resgate de si, mediante a recuperação ao menos parcial da face, de um lugar entre os homens, e de autoconfiança. Como aponta Landowski (2006), nas interações em que os sujeitos se ajustam uns aos outros, com base em manipulação ancorada na imagem que os sujeitos querem se atribuir, as motivações que os levam a se dobrar são de ordem identitária. No ajustamento de Caravaggio a Almásy descoberto, a vergonha que domina o primeiro se relativiza e lhe permite reconstruir-se como sujeito capaz de voltar a circular entre os outros.
Outros estudos21 sobre as paixões associadas às tensões atinentes à circulação das imagens de si das personagens têm elucidado mecanismos de instauração das paixões e sua relação com valores veiculados na base das representações identitárias das personagens. Desvendaram-se o mecanismo de instauração do orgulho estratégico, passível não apenas de prescindir da concordância do grupo sobre o valor que o sujeito se atribui, mas, sobretudo, de alimentar-lhe o amor-próprio ou a presunção, a despeito da avaliação alheia; o valor do pertencimento ou da exclusividade, tanto nos vínculos sociais ou afetivos estabelecidos, quanto na satisfação do sujeito com sua própria imagem em circulação; o efeito de sentido honra, ancorado na coerência da personagem ao longo de um período extenso; a construção ou a desintegração da mesma honra, central à existência simbólica do sujeito e determinante dos modos de colocação de si no grupo social, entre outros. Em O paciente inglês, um novo aspecto se faz visível: as personagens organizam-se por um modo de “sentir” reiterado, face às tensões relativas à circulação das imagens de si. A reiteração se dá em que os pares de personagens constituem sujeitos patêmicos de uma mesma paixão predominante: o orgulho, para Almásy e Katharine; a honra, para Hana e Kip. Trata-se de estados patêmicos relacionados a formas de colocação de si, nos pares, enquanto a personagem solitária padece de vergonha, paixão associada à retirada de si, na dor da exclusão. Estabelece-se, portanto, uma conexão entre o desvelamento dos valores assumidos, na base das representações identitárias, e os tipos de vínculos entre personagens, ao longo da trama. Katharine e Almásy, dotados de exacerbado amor-próprio, pouco enxergam o “outro”, em sua individualidade, mas o concebem como, concomitantemente, objeto de conquista e adversário ameaçador. Diferentemente, Hana e Kip demonstram abertura ao outro, vêem-no em sua complexidade e fragilidade humanas. Enquanto Almásy e Katharine querem avançar no território simbólico alheio, pelo prazer da conquista, Hana e Kip cedem seu espaço próprio e se arriscam à deserção e à morte, em favor de algum outro, até mesmo desconhecido, e pela própria dignidade. Caravaggio fecha-se, em busca de reconciliação consigo próprio, até que, vitorioso, identifica o paciente como o espião que perseguia em sua missão inacabada e pode, enfim, recolocar-se entre os outros sujeitos humanos.
Anil’s Ghost - O fantasma de Anil/Bandeiras pálidas
Entre meados da década de 1980 e o início da década de 1990, Sri Lanka é retratada em guerra civil, cindida em três grupos almejando o poder, num clima de violência generalizada: assim ambienta-se Anil’s Ghost. O enredo, em torno da identificação de uma ossada, desenvolve-se no fogo cruzado entre governo, insurgentes e guerrilheiros separatistas e se desenrola ao longo de alguns meses antecedentes ao assassinato do presidente fictício Katugala, evidente paralelo com Ranasinghe Premadasa, presidente de Sri Lanka concreta, assassinado em 1 de maio de 1993, em Colombo.
Ao contrário do romance anterior, há poucas cenas envolvendo a circulação de imagens pessoais dos sujeitos. As relações embreadas, estabelecidas no “eu/tu-aqui-agora”, tendem a se restringir ao âmbito profissional. Vínculos pessoais, quando evocados, são predominantemente desembreados, colocados em um “lá, então” e baseiam-se em relatos pessoais posteriormente revelados falsos ou lacunares.
Ricœur (2004) destaca que é no relato de si que se constrói a identidade, uma vez que essa é necessariamente narrativa, resultante da tensão dos sentidos idem (o mesmo, a imutabilidade, em oposição a alter) e ipse (consciência de si, o sujeito no contexto histórico), pois “é personagem aquele que faz a ação no relato” (Ricœur, 2004:151, tradução nossa). Em presença de relatos de si inconsistentes, como a maior parte dos existentes em Anil’s Ghost, o efeito de sentido predominante, no tangente à imagem de si das personagens, é o de escamoteamento. Paralelamente, no lugar das paixões vergonha, orgulho ou honra instaura-se outra, outro mecanismo passional de controle social. Nas palavras de Anil: “Eu queria encontrar uma lei regendo tudo o que vive. Encontrei o medo” (Ondaatje, 2000:135, ênfase nosso).22
Sob a égide do medo, as paixões relacionadas à veiculação da imagem de si se enfraquecem e se tonifica a figura da perda. A perda –plausível, iminente ou concretizada– realimenta esse medo, em uma coletividade corroída por um longo período de inimigos ocultos e onipresentes, diante dos quais a sobrevivência física se impõe. Lótman (1970) distingue as regulações sociais baseadas no medo, típicas de relações com um grupo de “eles”, das regulações fundadas na vergonha ou na honra, presentes nas comunidades de “nós”. Havendo forte presença de medo e poucas ocorrências de vergonha ou honra, pode se afirmar que Anil’s Ghost constrói um tempo-espaço hostil a coletividades de “nós”, no aqui-agora da narrativa. Enfraquece-se, desse modo, uma referência básica à colocação de si: doravante, o “outro” tende a não ocupar o lugar de um “tu”, no sentido de com ele se estabelecer um “nós”, mas de um “ele”, alguém com quem as regulações se baseiam no medo.
O oponente, no entanto, tampouco se caracteriza como uma coletividade, mas como uma ameaça difusa, não identificável, com incomensurável poder aterrorizante:
[...] as piores tragédias gregas eram inocentes comparadas com o que está acontecendo aqui. Cabeças em estacas. Ossadas escavadas em um poço de cacau em Matale. Na universidade, Anil havia traduzido trechos de Arquíloco –Na hospitalidade da guerra, deixamo-lhes seus mortos para nos fazer lembrar. Mas aqui não havia tal gesto com as famílias dos mortos, nem ao menos a informação de quem era o inimigo (11, ênfase nosso).23
Em uma nação imersa em medo, o sofrimento público era patente no clima de incerteza. Se um pai protestava contra a morte de seu filho, temia-se que outro membro da família seria morto. Se pessoas que você conhecesse tivessem desaparecido, havia a chance de ficarem vivas, se você não criasse problemas. Essa era a aterradora psicose no país (56).24
Onipresente e não delimitável, o inimigo fomenta o isolamento individual e a atonização do sentimento de pertencimento a algum grupo. Desse modo, a ocultação das opiniões e dos interesses passa a ser parte integrante de uma estratégia de sobrevivência concreta, não simbólica, e em tão alto grau contribui para o apequenamento do sujeito, que evoca Nietzsche: “A minhoca se enrola quando pisamos nela. Isso encerra muita sabedoria. Com isso, ela diminui a possibilidade de que tornem a pisar nela. Na linguagem da moral: humildade”.25 Para permanecer vivo e preservar a vida dos seus, o sujeito deve diminuir-se, buscar fazer-se invisível e inaudível, humildar-se.
Dentre as muitas personagens que tecem a trama, duas têm destaque, no tangente às estratégias de colocação-retirada de si: Anil, antropóloga forense de origem cingalesa, cidadã americana nos últimos 15 anos, em trabalho de investigação internacional de direitos humanos, e Sarath, arqueólogo cingalês, destacado pelo Governo para auxiliá-la em seus propósitos.
Logo no início aprende-se que Anil não é o nome original da protagonista, mas que fora comprado de seu irmão. Faz-se chamar assim desde a aquisição, tornando desconhecido o nome que figura em seus registros originais. Protegidos como seu nome, dados pessoais e passados não são tema de conversa. Lacônica, no primeiro contato com Sarath, este a recebe como a “nadadora” autora de certo feito e lhe pergunta se é casada, ao que ela responde “Nem casada, nem nadadora” (17).26 Paralelamente, Sarath, tampouco, revela informações sobre sua vida pessoal.
Durante as atividades da dupla instaura-se um silêncio maciço, raramente quebrado. Figurativizados como antípodas, a militante pelos direitos humanos, Anil, e o membro do alto escalão do governo, Sarath, não confiam um no outro. “Seria ele olhos e ouvidos do governo, enquanto destacado para ajudá-la na Investigação da Human Rights e no relatório?” (28).27 Perguntado sobre sua opinião acerca do presidente do país, Sarath hesita: “Seu gravador está desligado? Ele se certificou de que estivesse desligado e só então respondeu à sua pergunta” (45).28 Anil, em insuportável dúvida, coloca-se:
Realmente, não sei de que lado você está, se posso confiar em você –Ele começou a falar, parou, então disse devagar– O que eu faria? Você poderia fazê-lo [ossada identificada como Sailor] desaparecer [...] Não sei sua posição. Eu sei [...] sei que você acha que o propósito da verdade é mais complicado, que às vezes é mais perigoso aqui se você diz a verdade. Todo mundo está apavorado, Anil. É uma doença nacional [...] Alguns deixam seus fantasmas morrerem, outros não. Sarath, nós podemos fazer alguma coisa. Você está a seis horas de Colombo e está sussurrando –pense nisso (53).29
Abertamente questionado, Sarath fala um pouco de sua vida pessoal. Poucas informações são suficientes para Anil depositar-lhe alguma confiança e para o destinatário-leitor levantar hipóteses sobre sua identidade. Mais tarde, porém, aprende-se, pelo dono do hotel que os hospeda, do hábito que o viúvo Sarath teria de passar dias ali, com sua esposa, mulher gentil que teria enviado lembranças, transmitidas pelo marido, naquela mesma tarde.
Rompido o silêncio, Anil construíra uma imagem de Sarath que não mais se sustenta, diante da inconsistência das informações. Quebrado o início de confiança, o medo tem todas as condições para se reinstalar e crescer. Anil cala-se; suas dúvidas em relação ao companheiro de trabalho perpassam todas as interações da dupla. A contingência, nesse contexto de extrema incerteza e insegurança, assim como a palavra dita e a silenciada ressignificam-se em ameaça.
A conclusão da análise forense de Sailor é que se trata de uma ossada resultante de morte recente, propositalmente depositada em um sítio arqueológico, uma constatação perigosa perante o governo.
Sarath parte, em busca de transporte seguro para Colombo. Conforme o tempo passa, a falta de notícias do arqueólogo leva Anil, só, em Ekneligoda, a um ápice de tensão. “Todos os seus receios a respeito dele [Sarath] voltaram à tona –o parente que era ministro, suas opiniões sobre o perigo da verdade. Ela andava pela walawwa furiosamente só” (269).30
Anil, acreditando-se traída, abandona a espera por sinais de Sarath. Recorre a um antigo amigo de seu pai, Dr. Perera, suposto informante do governo, a fim de pedir-lhe ajuda e transporte.
Chegando a Colombo, surpreende-se com uma plateia presente para ouvir a apresentação de seu relatório às autoridades. Todavia, entre os preparativos para sua prestação de contas, a ossada Sailor é suprimida. “Ela deveria apresentar seu relatório sem qualquer evidência. Era um modo de desacreditar toda sua investigação” (271).31
Atingida, pessoal e profissionalmente, pela opção de Dr. Perera e seus colaboradores de resguardar o status quo em detrimento dos resultados de investigações honestas, a antropóloga define os contornos de seu inimigo, antes incerto, como o conjunto dos sujeitos ali presentes, irmanados em sua conexão com o governo. Estabelece-se, portanto, aos seus olhos, uma coletividade de “eles”. Diante de um grupo coeso adversário, Anil tem elementos para se posicionar e, durante a divulgação de seu relatório, em crescente autoconfiança profissional, declara “Creio que vocês assassinaram centenas de nós” (272).32
Antes, cientista forense de um grupo estrangeiro de defesa dos Direitos Humanos, Anil, agora, inscreve-se como cingalesa, entre os cingaleses, em guerra contra os integrantes do governo. Sua declaração de filiação produz forte efeito em Sarath, silencioso, na plateia: “Centenas de nós. Sarath pensou. Quinze anos e finalmente ela é um de nós” (272, ênfase do autor).33 porém, “agora eles estavam em perigo. Ele sentia a hostilidade na sala. Só ele não estava contra ela” (272).34
Sarath, membro do governo, designado parceiro de trabalho de Anil, sente bascular seu simulacro existencial, entende a insustentabilidade de sua neutralidade política e decide agir. Trava com Anil um debate público, a fim de desmoralizar a investigação e desacreditá-la como cientista, esperando, nesse parecer e não-ser uma relação polêmica, agindo no regime da mentira, salvar a vida de ambos. Na mentira, representa os interesses do governo, sob segredo, filia-se ao “nós”, junto a Anil:
E a senhora desejaria provar que aquela ossada era de uma morte recente. Mesmo se agora não temos a evidência.
Sr. Diyasena, gostaria de lembrá-lo que vim aqui como parte de um grupo de direitos humanos. Sou uma especialista forense. Não trabalho para o senhor, não sou empregada pelo senhor. Trabalho para uma autoridade internacional.
Ele se virou e dirigiu suas palavras ao público.
Essa “autoridade internacional” foi convidada a vir pelo governo, não foi? Não é isso?
Somos uma organização independente. Fazemos relatórios independentes.
Para nós. Para o governo daqui. Isso significa que a senhora trabalha, sim, para este governo (274).35
Na sequência, Anil é conduzida a uma sala privativa, onde é revistada e tem todo seu equipamento confiscado. À saída, humilhada e furiosa, recebe do arqueólogo a tarefa de produzir um relatório para o governo, em dois dias. Anil só percebe a mentira e o segredo a seguir, quando encontra todas as evidências, inclusive a ossada, à sua disposição, com uma mensagem do colega, sobre a imperiosa necessidade de concluir seu relatório na metade do período concedido e pegar o primeiro avião de volta a seu país de adoção.
Sarath Dyasena, que “[d]esde a morte de sua esposa [...] nunca mais havia encontrado o caminho de volta à vida” (277),36 ante a declaração de filiação de Anil, opta pela busca do sentido, escolhe assumir os riscos (Landowski, 2006) e unir-se a ela. “[E]le havia voltado à complexidade da vida pública, com suas várias verdades. Agiu sob tal luz. Sabia que não haveria perdão” (279).37
Ricœur (2004) explica, apoiado em Kant (1976:97-98), que a identidade de um sujeito se determina pela imputabilidade, muito além de em seu escopo jurídico. É da imputabilidade, analisa o autor, que decorre a concepção de sujeito como responsável por sua ação e, portanto, dotado de liberdade de agir. É sujeito, é personagem, aquele que faz e cujas ações lhes são imputáveis.
Sarath vence o medo e o entorpecimento gerados pela dor e desconfiança generalizadas, a partir do ato de coragem, talvez temeridade, de Anil. Ouvi-la colocar-se como “nós” o envolve na situação e o alavanca a decidir-se sobre que tipo de envolvimento assumirá: a favor ou contra Anil, contra ou pró governo, por ou contra o sentido (Landowski, 2006). A postura que adota lhe dá consistência e tece coerência entre seu passado mais remoto e seu presente, assim como lhe garante reconhecimento, na memória de Anil, e, aos olhos do Destinatário-leitor, produz o efeito de sentido de identidade.
Um corte na narrativa deixa Anil e Sarath. O novo foco é o hospital local e o médico Gamini, irmão com quem Sarath não mantém contato há, no mínimo, uma dezena de anos. Dia após dia, noite após noite no hospital, Gamini intoxica-se para dormir e se reintoxica para despertar. Não estabelece vínculos; sem vida própria; não tem gostos, opiniões nem desejos. Age mecanicamente, escolhendo as pílulas segundo o momento, se de entorpecimento ou de consciência para atender mais vítimas mutiladas na última explosão. Gamini é responsável pelos relatórios da causa mortis das vítimas não-identificadas da semana.
O funcionário da organização dos direitos civis entrou com o registro semanal das vítimas –as fotografias em preto e branco, frescas, quase molhadas, sete delas, nessa semana. Cabeças cobertas. Os registros foram deixados na mesa de Gamini, perto da janela [...] Ele [Gamini] ligou o gravador e começou a descrever os ferimentos e suas prováveis causas. Quando chegou à terceira foto, ele reconheceu os machucados, aqueles inocentes (287).38
De rosto coberto, o corpo de Sarath é reconhecido. Gamini revive, em um instante, uma avalanche de recordações dos dois irmãos, predominantemente, distantes e concorrentes. Isso, porém, é outra história, a de dois irmãos que se separam, ao longo da vida, até a morte os reunir. É também outra história em que imagens pessoais integram-se em memória e constituem percursos narrativos identitários. Para Anil e Sarath, personagens aqui analisadas, e para Gamini, é possível inferir-se, o efeito de sentido de identidade exige, para se produzir, a plena colocação da dialética entre a identidade concebida como imutável, aquela constituída, chamada idem, e a identidade em sua condição histórica, como consciência de si, ipse, como defende Ricœur (2004:150-163). Para tanto, é imprescindível fixarem-se os “outros” como pertencentes separadamente ao grupo de “eles” e ao grupo de “tu”, estes últimos juntando-se ao “eu” em um “nós”. As tensões inerentes ao idem e ao alter articuladas com o sentido ipse dependem, em Anil’s Ghost, necessariamente, do reconhecimento, da identificação do alter na complexidade do preenchimento dialético de suas duas faces, a do “tu” e a do “ele”.
O fantasma de Anil, título da obra, assombra os percursos identitários. Estes convidam a refletir se o espectro do indefinido, no mundo externo às páginas do romance, tem repercussões em alguma medida comparáveis, no tangente às questões identitárias e aos vínculos dos sujeitos de matéria viva.
Sobre identidades e vínculos intersubjetivos: recorte de estrato social
Jovens de São Paulo
Quanto ao universo de sujeitos concretos, não ficcionais, recuperou-se parte dos dados de uma pesquisa realizada em 2005, com 5 160 alunos de Ensino Médio da Grande São Paulo, entre 14 e 18 anos. Intitulada “Valores dos jovens de São Paulo”,39 a pesquisa abordou 20 temas, divididos em três grandes categorias: 1) eu/sociedade, trazendo questões relacionadas às instituições e agentes institucionais, 2) eu/outrem, contendo questões envolvendo o convívio nos espaços público e privado, e 3) eu/eu, apresentando questões sobre projetos de vida e confiança na sua realização. Aqui, os dois primeiros eixos serão focalizados e apenas pelo recorte da colocação ou retirada de confiança40 dos respondentes.
Perguntados a respeito de sua previsão sobre o progresso da humanidade, no século XXI, a grande maioria dos sujeitos, 86.2%, mostrou-se otimista, dividida em grupos equivalentes de confiantes em “grande progresso” (44.4%) e “moderado progresso” (41.7%). Escolheram respostas mais “pessimistas” a somatória de apenas 13.8%, com 11% optando por “pouco progresso” e somente 2.8% por “retrocesso”. Embora tanto rapazes quanto moças se coloquem majoritariamente no primeiro grupo, percebeu-se uma pequena diferença de gênero, com as moças mostrando um pouco menos de otimismo que os moços: enquanto 50.2% destes pensam que o século 21 será de “grande progresso”, aquelas são em número de 39.4%. É maior o número de meninas que optam por uma progresso “moderado”, 46.7%, contra 36.0% dos meninos.
No eixo eu-sociedade, seis instituições e agentes institucionais foram focalizados pelas perguntas. Eis os resultados gerais, em ordem decrescente de grau de confiança neles depositado pelos jovens:
É fácil observar que, quanto mais próximos do dia-a-dia dos sujeitos, as instituições e os agentes institucionais são depositários de maior grau de confiança. Mesmo que exclusivamente dentro do universo das instituições, a confiança no âmbito mais próximo ao privado ganha tonicidade, enquanto a depositada no âmbito público tende a se configurar como mais átona. A escola recebe a maior avaliação positiva, para a grande maioria dos sujeitos, enquanto os partidos políticos ocupam a última posição, fortemente negativa.
A escola ser bem avaliada, pelos jovens, enquanto merecedora de confiança, pode surpreender, à primeira vista. Entretanto, pensando-se no eixo público-privado e lembrando que ela ocupa o lugar de instituição transicional entre a vida privada e pública, o quadro, como um todo, é coerente. Além disso, convém destacar que “confiança” não implica concordância, podendo os jovens confiar na escola (embora somente 11.9% dizem “confiar muito”), sem significar abdicar de conflito. A propósito, a existência de conflito não se incompatibiliza com universos de confiança depositada, pois, em um contrato fiduciário, cada parte conhece ou supõe a posição do outro e pode dela discordar. Na retirada ou na ausência de confiança, os conflitos se reconfiguram em confrontos.
Ainda nesse eixo, apenas uma diferença relativa à atribuição de confiança se manifesta, ao contraporem-se as respostas de alunos de escolas particulares e públicas. Para as primeiras separadamente, as instituições religiosas cairiam uma posição, sendo menos merecedoras de confiança que os meios de comunicação:
Passando, agora, para o eixo eu-outrem, faz-se necessário destacar estar nele a família, instituição social do âmbito privado, locus privilegiado das relações de intimidade. Junto com a família, encontram-se dados sobre amigos/adversários e sobre formas de resolução de conflitos. Eis os resultados relativos a três questões:
A família ocupa a posição de depositário de maior confiança. Os “outros” próximos, presentes no cotidiano e o compartilhando são os grandes merecedores desse sentimento fundamental. Convém ressaltar, é com esses que o sujeito se enxerga participante de um “nós”. Os amigos também o são, mas em menor grau, até porque podem passar a adversários –ao papel de “eles”– a qualquer momento. Potencializam uma ameaça, como explicitam as respostas sobre o número de adversários ou amigos41 e, principalmente, sobre as formas de resolução de conflitos.42 O âmbito familiar, necessariamente restrito, tem a confiança tonificada ao extremo. Reencontra-se, na retirada ou ausência de confiança no “outro” irrestrito, a lógica de aproximação-afastamento verificada no âmbito das instituições: quanto mais distante do sujeito ele for, quanto menos familiar lhe for, menor grau de confiança lhe será depositado.
A tendência à colocação de confiança em um universo restrito, contraído, remete ao par “universalização-exclusão” discutido por Fontanille e Zilberberg (1998:38). À restrição do universo correspondem valores de absoluto, da não mistura –a pureza–, da singularidade, da exclusividade, no limite, da exclusão. No outro extremo, à expansão do universo, correspondem valores não-absolutos, de aliança, de parceria, de pluralidade, tendendo, no limite, à universalização. Quanto à confiança do jovem paulistano, observa-se que ela é máxima quando o universo é o mais restrito – a família–, diminuindo, gradativamente, quanto mais amplo e complexo o universo se torna, até chegar ao extremo da falta ou ausência de confiança, em relação aos partidos políticos.
No tangente aos percursos de confiança, Fontanille e Zilberberg (1998:201) indicam que as relações, quando a reforçam, tendem à benevolência/tranqüilidade e, quando a enfraquecem, tendem à ameaça.43
Se essa análise é correta, entre os mais de 5 000 jovens respondentes, a benevolência tende a se ater ao âmbito privado, das relações de singularidade, de exclusividade (família e escola, principalmente), enquanto a ameaça está nas relações de participação, predominantemente, com o desconhecido e o anônimo.
Configura-se, portanto, uma retração do âmbito social concebido como “nós” cultural e uma expansão do âmbito social ameaçador, caracterizado por universos de “eles”. Nesse sentido, é coerente o recolhimento do jovem ao espaço privado, como um refúgio aos perigos que outrem desconhecido, provável “impiedoso” (ver posição D, nota 43) adversário violento, representa.
Diante da retração de universos socioculturais do tipo “nós”, a participação dos sujeitos tende a se limitar a questões imediatas, cotidianas. A participação política, mesmo reconhecida como importante para a sociedade, é esvaziada, como atestam as respostas relativas aos grandes merecedores de retirada de confiança, em ordem crescente: o Poder Judiciário, o Congresso Nacional e os partidos políticos.
Conclusão
Lótman (1970), insistimos, mantém que uma coletividade se organiza por regulações pautadas pelo medo, ou (ou exclusivo) pela vergonha, dependendo de colocar o outro como grupo de “eles” ou de “nós”. Na dinâmica de colocação-retirada de confiança do jovem paulistano, observou-se, restringe-se o alcance do “nós”. Em grupos de “nós” fortemente restritos ao próximo imediato, limitam-se as questões reguladas pela vergonha, chegando essas, no extremo, a prescindirem dos aspectos relativos ao convívio social amplo. Nesse último, impõe-se o medo e, perante ele, é curvar-se ou contra-atacar, seja frontalmente, seja burlando regras sociais em sua base.
Em O paciente inglês, as personagens padecem das tensões relativas à circulação das imagens de si entre os “outros”; em Anil’s Ghost, dirige-se a atenção à fragmentação do outro, à sua diluição, em um contexto de medo exacerbado. Às personagens lá analisadas é necessária a definição de um contorno de oponente, ou inimigo, para a definição de um contorno de co-partícipes, ou seres associados ao universo do “nós”. Enquanto o “outro” é difuso, não há condições para coerência nos relatos de si, para integração de imagens projetadas, em suma, para efeitos de sentido de identidade.
Os jovens respondentes da pesquisa dão sinais claros de se colocarem como sujeitos patêmicos de um medo hipertrofiado, ainda que justificável pelas estatísticas sobre violência. A insegurança que atestam perpassa o interdiscurso social e se transforma em bordão privilegiado de inúmeros políticos, candidatos ou eleitos. Parte considerável do discurso político e midiático promove, com exagerada freqüência e com sucesso inquietante, uma visão estereotipada, caricata do “nós” e do “eles”, simplificada em linhas grosseiras de um contorno artificial dos “bons” –aqueles afiliados ao detentor da palavra– e dos “maus” –os que não se irmanam ao falante, associados àqueles de quem se fala, sob o rótulo de “baderneiros” ou “bandidos”, no Brasil, ou “terroristas” ou “infiéis”, alhures.
A falta de confiança no âmbito público, em seu sentido amplo, de polis, leva ao fechamento comunitário crescente. No tangente às representações identitárias, a triagem excessiva do “outro” participante do “nós” desemboca, no limite, não no desabrochar do indivíduo, mas em sua atrofia, decorrente da colocação do “eu” em redoma asséptica. É na confrontação de outrem que a identidade narrativa –resultante da tensão dialética entre idem e ipse (Ricœur, 2004)– mostra sua fragilidade e necessita se reconfigurar, negociando coerentemente histórias passadas e atuação presente. Ante o medo que se impõe, os respondentes seguem a lição da sociedade e evitam contatos, recolhendo-se à casa, a exemplo do caramujo, para proteger-se de todo “outro” não integrante do “nós”.
Os mesmos jovens se mostram confiantes no “progresso da sociedade”. Contudo, tanto tal progresso quanto a realização de uma vida que valha a pena ser vivida dependem das esferas públicas e dos demais membros da sociedade, íntimos ou não. Na contramão da definição de perspectiva ética de Ricœur (1990), a busca de uma “vida boa”, com e para outrem, em instituições justas, o jovem paulistano dá mostras de acreditar viver num mundo violento e pouco digno de confiança; dá mostras de pensar o “para e com outrem” essencialmente no círculo íntimo de suas relações; parece, enfim, julgar-se privado das regulações essenciais ao convívio social amplo.
A análise das relações intersubjetivas, nos dois romances, pelo viés das paixões em torno da projeção de imagens de si, cumpre seu papel de subsídio à reflexão das representações identitárias dos jovens participantes da pesquisa, cuja visão de sociedade, paulatinamente, distancia-se da subjacente a O paciente inglês e se aproxima da de Anil’s Ghost. Convidados pela vida em sociedade muito menos à participação livre e responsável do que a um ensimesmamento progressivo, tendem, talvez, a um entorpecimento solitário, à luz do florescente mercado do entretenimento, sempre atrás de algum dos lados das grades de proteção e das câmeras vigilantes da cidade.
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—— (2004), Parcours de la reconnaisance. Trois études, Editions Stock, Paris.
Notas
* Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas, Universidade de São Paulo [ Esta dirección electrónica esta protegida contra spambots. Es necesario activar Javascript para visualizarla ], [ Esta dirección electrónica esta protegida contra spambots. Es necesario activar Javascript para visualizarla ].
1 Sou tributária a Andréia Afonso, bolsista PIBIC-CNPq (2003-2004) responsável desenvolvimento de projeto intitulado “As paixões na construção de imagem pessoal em Michael Ondaatje”, cuja pesquisa criteriosa proporcionou a seleção de dezenas de exemplos do tema em pauta e proporcionou as reflexões aqui desenvolvidas.
2 Por motivo de economia, as citações extraídas do texto sob análise, por serem relativamente numerosas, serão identificadas somente pelo número da página de origem, entre parênteses. Todas as traduções são de responsabilidade da autora desse texto.
3 Para uma análise das paixões vergonha, honra e orgulho, na construção ética e moral das personagens de The English Patient, ver Harkot-de-La-Taille e Afonso (2003).
4 “I was useful, you see. I am a man who can recognize an unnamed town by its skeletal shape on a map. I have always had information like a sea in me” (18).
5 “[...] [Katharine] wore an unconquerable face” (144).
6 “He [Almásy] has been disassembled by her [Katharine]” (155).
7 “Half my days I cannot bear not to touch you”. / “The rest of the time I feel it doesn’t matter / if I ever see you again. It isn’t the morality, / it is how much you can bear (154).
8 “But now he cannot bear this wall in her. You built your walls too, she tells him, so I have my wall” (155-156).
9 “He had turned back to her, his finger raised”, I don’t miss you. / “You will” (171).
10 “I think you have become inhuman –she said to me. / “I’m not the only betrayer”.
11 “[...] you killed everything in me. Kiss me, will you. Stop defending yourself. Kiss me and call my name” [Katharine para Almásy] / “Their bodies met in perfumes, in sweat, frantic to get under that thin film with a tongue or a tooth, as if they each could grip character there and during love pull it right off the body of the other” (173, grifo nosso).
12 “One bomb. Then another. Hiroshima. Nagasaki [...] This tremor of Western wisdom”.
13 My brother told me. Never turn your back on Europe. The deal makers [...] Never trust Europeans, he said. Never shake hands with them. But we, oh, we were easily impressed –by speeches and medals and your ceremonies. What have I been doing these last few years? Cutting away, defusing, limbs of evil. For what? For this to happen? What is it? Jesus, tell us! (284-5).
14 “[...] A terrible event emerging out of the shortwave. A new war. The death of a civilisation” (286).
15 “Each morning he would step from the painted scene towards dark bluffs of chaos. The knight. The warrior saint [...] The Englishman had called him fato profugus –fate’s fugitive”.
16 “That was how he felt safest. Revealing nothing [...] He was a large animal [...] in near ruins when he was brought in and given regular doses of morphine for the pain in his hands” (27).
17 “Dir-se-á que um sujeito semiótico não existe enquanto sujeito senão na medida em que se lhe pode reconhecer ao menos uma determinação, ou seja, que ele está em relação com um objeto-valor qualquer” (Greimas e Courtés, 1979:173).
18 “[...] was caught. They nearly chopped off my fucking hands” (34).
19 “brilliant in deceit against the rich” (40).
20 “[...] stanch his wounds, hang them [his hands] over the smoke from a tar cauldron so black smoke would envelop his hands” (59).
21 Bourdieu, 1968; Greimas e Fontanille, 1990; Harkot-de-La-Taille, 2000, 2003, 2007, 2008; La Taille, 2002, 2006; Harkot-de-La-Taille e Afonso, 2003; Harkot-de-La-Taille e La Taille, 2004.
22 “I wanted to find one law to cover all of living. I found fear” (Ondaatje, 2000:135).
23 “[...] the darkest Greek tragedies were innocent compared with what was happening here. Heads on stakes. Skeletons dug out of a cocoa pit in Matale. At university Anil had translated lines from Archilochus – In the hospitality of war we left them their dead to remember us by. But here there was no such gesture to the families of the dead, not even the information of who the enemy was (11, grifo nosso).
24 “In a fearful nation, public sorrow was stamped down by the climate of uncertainty. If a father protested a son’s death, it was feared another family member would be killed. If people you knew had disappeared, there was a chance they might stay alive if you did not cause trouble. This was the scarring psychosis in the country” (56).
25 Nietzsche. O crepúsculo dos deuses, Máximas e ditos, af. 31, citado por Comte-Sponville (1995:158).
26 “Not married. Not a swimmer” (17).
27 “Was he its ear and eye while assigned to aid her in the Human Rights Investigation and report?” (28).
28 “Is your tape recorder off?” / “He made sure it was switched off and only then answered her question” (45).
29 “I don’t really know, you see, which side you are on – if I can trust you”. / He began to speak, stopped, then spoke slowly “What would I do?”. / “You could make him [Sailor] disappear”. / “[...] I don’t know where you stand. I know [...] I know you feel the purpose of truth is more complicated, that it’s sometimes more dangerous here if you tell the truth”. / “Everyone is scared, Anil. It’s a national disease”. / “[...] Some people let their ghosts die, some don’t. Sarath, we can do something”. / “You’re six hours away from Colombo and you’re whispering –think about that” (53).
30 “All her fears about him [Sarath] rose again –the relative who was a minister, his views on the danger of truth. She moved around the walawwa furiously alone” (269).
31 “She was supposed to give her report with no real evidence. It had been a way to discredit her whole investigation” (271).
32 “I think you murdered hundreds of us” (272).
33 “Hundreds of us. Sarath thought to himself. Fifteen years away and she is finally us” (272, grifo do autor).
34 “[...] now they were in danger. He sensed the hostility in the room. Only he was not against her” (272).
35 “And you wished to prove that skeleton was a recent death. Even if we now do not have the evidence”. / “Mr. Diyasena, I’d like to remind you that I came here as part of a human rights group. As a forensic specialist. I do not work for you, I’m not hired by you. I work for an international authority”. / He turned and directed his words to the audience. / “This “international authority” has been invited here by the government, has it not? Is that not right?”. / “We are an independent organization. We make independent reports”. / “To us. To the government here. That means you do work for the government here” (274).
36 “[s]ince the death of his wife [...] had never found the old road back into the world.
37 “But now this afternoon, he had returned to the intrincacies of the public world, with its various truths. He acted in such light. He knew he would not be forgiven that” (279).
38 “The worker from the civil rights organization came in with the Friday reports of victims –the fresh, almost-damp black-and-white photographs, seven of them this week. Faces covered. The reports were left for Gamini on the table by his window [...] He turned on the tape-recorder and began describing the wounds and how they were probably caused. When he got to the third picture, he recognized the wounds, the innocent ones” (287).
39 Disponível, em versão reduzida, em [http://bit.ly/lWMdfP], acessado em: 21 fevereiro de 2007, e em versão completa em De La Taille (2006). Foi realizada junto ao Instituto SM para a Qualidade Educativa, em março e abril de 2005, com 2 160 alunos de instituições particulares e 3 000 alunos de instituições públicas.
40 Para aprofundamento da análise semiótica da confiança, ver Harkot-de-La-Taille e De La Taille (2006).
41 Apenas 8.1% dos respondentes mostram confiança, no contato com outrem. Para os outros 91.8% (a soma, por arredondamento, é 99.9%) o “outro” ocupa cada vez mais o grupo de “eles” (adversários) que o grupo de “nós”. Outra leitura: mais de nove em cada dez jovens afirma se voltar ao “outro” com sua confiança desde suspensa até claramente retirada, e isso em uma faixa etária (14 a 18 anos) em que os horizontes de atuação dos indivíduos tenderiam a se ampliar e irromper os limites do seio da família.
42 Note-se que para 90.5% dos respondentes o emprego de violência (agressão), na resolução de conflitos, é considerado corriqueiro.
43 O percurso completo a ser lido no sentido A-B-C-D ou C-D-A-B: Menaçant (A) [inquiet] / Rassurant (B) [rassuré] / Bienveillant (C) [tranquille] / Impitoyable (D) [effraié] (Fontanille e Zilberberg, 1998:201).
Cómo citar este artículo
HARKOT-DE-LA-TAILLE, ELIZABETH; "Vergonha e medo na configuração de identidades". Revista Versión [en línea]. Junio 2011, No. 26. [Fecha de consulta] disponible en:
http://version.xoc.uam.mx/index.php?option=com_content&view=article&id=27&Itemid=9 ISSN 0188-8242
Recibido en junio de 2009
Aprobado en septiembre de 2009